sábado, 26 de março de 2011

Polítipo

Polítipo
Alísio Azevedo
Demônios
1893


Suicidou-se anteontem meu amigo Boaventura da Costa.
Pobre Boaventura! Jamais o azar tivera melhor asilo que naquele corpo fraco em contraste com a sua grande alma, isto muitas vezes me levou a pensar na desigualdade das coisas da terra.
Não conheci ninguém de melhor coração que ele, nem de pior sorte. O livro era excelente, mas a encadernação detestável.
Imagine um homenzinhos de 5 pés de altura, com uma grande cabeça feia, quase sem testa,olhos fundos, nariz feio, braços curtos e pernas arqueadas.
Era comum se perder entre a multidão, mas cada minuto se destacava pela sua extraordinária vulgaridade, sem nenhum traço individual ou característica própria, mas por isto era sempre apontado, tinha uma fisionomia que ninguém guardava na memoria mas que todos diziam já ter visto.
Em qualquer tipo de briga, Boaventura tomava logo as dores da parte mais fraca, defendia aquele que sofria, mas ninguém lhe retribuía o favor. Tanto que quando alguém fazia algo de errado todos olhavam logo para ele.
Outra má sorte dele era de se parecer com todo mundo, Boaventura tinha um pouco de toda parte. Sempre achavam que ele era outra pessoa, um ator, um padre, um padeiro, mas nunca ele mesmo. Ele tinha cara de tudo, mas ao mesmo tempo não tinha cara de nada. Dependendo de como você olhasse ele parecia uma coisa.
Um dia, dentre muitos, em que a polícia ,por engano, lhe invadiu a casa, ao vê-lo o sargento exclamou:
-Uma criança! Pobrezinho! Como a deixaram aqui tão desamparada!
Não se dava conflito, em que Boaventura não era tomado pelo desordeiro. Ele não conseguia dar um passo na rua sem que fosse confundido com outra pessoa. E tudo isto o infeliz suportando, sem nunca ter reclamado.
Onde quer que ele ia era logo confundido, seja com um garçom no bar, por um padre na igreja...Na policia tinha vários retratos de procurados que se pareciam com ele, não se pareciam entre si, mas se pareciam com ele.
Depois de muitos enganos , e da vida sofrida de Boaventura, como não podia ser diferente, ele se atirou ao mar.
No necrotério, havia muita gente que chorava dizendo que aquele era um parente ou amigo. Por isto compreendi, antes mesmo de olhar, que aquele só poderia ser o triste Boaventura da costa!

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