domingo, 3 de abril de 2011

O Homem que sabia Javanês

O Homem que sabia Javanês
Lima Barreto
Gazeta da tarde
Rio, 20/4/1911
contos e Novelas
Rio, Garnier, 1990

Certa vez, em uma confeitaria, contava ao meu amigo Castro coisas de minha vida. Contava sobre coisas que fizera em Belém, e meu amigo Castro ouvia em silêncio, encantado, até que, em uma pausa na conversa ele disse:
-Tem levado uma vida bem engraçada, Castelo!
-Imagina tu que já fui professor de javanês!
-Conta lá como foi. E bebes mais uma cerveja.
-Eu havia chegado a pouco no Rio e estava na miséria, sem saber como ganhar dinheiro, quando li no jornal que se precisava de um professor de javanês. Não teria muita concorrente, se eu entendesse poucas palavras já passava.
Fui a Biblioteca Nacional, e pequei a enciclopédia, letra J. Consultei o artigo relativo a Java e a língua javanesa.
Fiquei sabendo coisas sobre a ilha de Java. Copiei o alfabeto e sua pronunciação figurada, e saí. Andei pelas ruas mastigando as letras.
Na entrada da pensão onde morava, sentei no jardim e escrevi as letras para treinar a escrita.
Animado com o javanês, voltei a procurar o anúncio, redigi a resposta e dei ao Jornal. Não fiz progressos no javanês neste dia.
Depois de dois dias recebi uma carta que dizia para eu falar com o doutor Manuel Feliciano Soares Alvernaz, Barão de Jacuecanga. Por não conseguir dinheiro para a passagem fui a pé, chegando lá suadíssimo. A casa era enorme e parecia deserta, bati, depois de um tempo um antigo preto abriu a porta.
Na sala havia havia vários retratos de senhores arrogantes. Esperei um instante o dono da casa.
Juan 3:16 <span class=
Chegou um tanto trôpego, tomando um rapé, foi com respeito que o vi chegar. Me apresentei sendo o professor de javanês. O senhor me fez algumas perguntas que tive que responder em voz alta pois ele era um pouco surdo. Inventei algumas mentiras para varias destas perguntas. Ele me disse que queria aprender javanês para cumprir um juramento de família.
Disse também que era neto de Conselheiro Alvernaz, aquele que acompanhou Pedro I. Seu avô voltando de Londres trouxe um livro com uma língua estranha, e deu a seu pai, dizendo que estava escrito em javanês e que era um amuleto de família, seu pai dará o livro para ele e agora ele estava tentando entende-lo. Veio o livro, era velho, encadernado em couro e impresso em grandes letras pretas em papel amarelado e grosso.
Tinha umas paginas escritas em inglês, onde se dizia do que se tratava o livro, informei isto ao velho, que ficou impressionado com o meu saber, desconhecendo que havia conseguido isto com o inglês
Dentro de pouco dei minha primeira lição, mas o senhor não aprendia facilmente, com metade do alfabeto levamos um mês.
A filha e o genro do senhor, vieram ver o aprendizado do homem, o genro ficou assombrado com o meu conhecimento , e não tinha vergonha de mostrar para todos a admiração pelo meu javanês.
Depois de dois meses o velho me pediu para traduzir o livro para ele e não ensina-lo javanês, como não sabia javanês inventei varias histórias e disse ao velho que era aquilo que o livro dizia.
Como ele ouvia aquelas bobagens!
Ouvia-me como se eu fosse um anjo, faz-me morar em sua casa e me encheu de presentes. ele recebeu uma herança de um parente esquecido em Portugal e atribuiu a cousa ao mel javanês.
Meu medo de que ele descobrisse a mentira alimentou quando ele disse para pedir que Visconde de Caruru me fizesse entrar na diplomacia. Diante da insistência do velho, fui.
Mandou-me o Visconde a Secretaria de Estrangeiros. Foi um sucesso.
O diretor chamou os chefes de secção espalhou a noticia de que eu sabia javanês, e todos ficavam espantados com minha falsa sabedoria. A alta autoridade, o ministro, me pergunto use eu sabia javanês e eu assenti. Ele disse que meu físico não prestava para a diplomacia, mas que queria que eu representasse o Brasil no Congresso de Linguística em Bâle.

Eu não sabia javanês, mas representaria o Brasil em um congresso de sábios!
O Velho Manuel Feliciano morreu, mas deixou umas deixa em seu testamento.
Comprei livros e revistas, mas nada de aprender javanês. E minha fama na rua crescia, todos comentavam e eu até recebi uma proposta para lecionar para um grupo de alunos.
O mais perto que cheguei de ser descoberto foi quando a policia prendeu um homem que falava javanês e queria alguém para traduzir, a minha sorte foi que o homem foi solto.
Chegou a época do congresso e eu fui para a Europa, que delícia! Publiquei lá o artigo "Mensageiro de Bâle", custou-me tudo isto boa parte da herança do velho.
Passei a ser uma gloria nacional, dias depois almocei com o Presidente da República. Fui para Havana,onde estive por seis anos e ainda pretendo voltar.
-É fantástico- Observou Castro.
- Olha: se não fosse estar contente, sabes que ia ser?
-Quê?
-Bacteriologista eminente.

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